Não vou iniciar esse post dizendo que esse é um dos castelos mais bonitos e interessantes da França porque isso é algo que eu diria sobre todos eles, pois sou apaixonada por châteaux. Mas, só o fato de ser o berço da Renascença francesa já o torna especial. Se acrescentarmos que tem um personagem mais do que famoso enterrado ali, aí sim é que a visita se torna quase obrigatória. Sabe de quem estou falando? Não? Então, leia as páginas seguintes e viaje por séculos de arte, amor, guerra e história.
Fronteira entre Idade Média e Renascimento
Podemos dizer que o castelo de Amboise é a última fortaleza medieval francesa e primeiro palácio do Renascimento. A própria posição do château, sem querer, nos faz lembrar de limites, já que está situado em um rochedo, na altura da junção do rio Loire e de um de seus afluentes, o Amasse.
Desde o século V, é mencionada a presença de uma fortaleza no lugar onde hoje está situado o castelo. Até o século XII, ela pertence metade à família Anjou e metade a Sulpice de Buzançais, ancestral da família Chaumont-Amboise. Os Amboise vão ser os únicos donos do château de 1106 até meados do século XV.
Em 1431, a propriedade é confiscada, pois Louis d’Amboise, que havia herdado o castelo, é acusado de traição contra Georges de la Trémoille, favorito do rei Charles VII. Ele escapa da morte, mas perde Amboise, que se torna propriedade da Coroa.
Charles VII quase não fica ali, mas seu filho e sucessor, Louis XI, passa temporadas no château e começa a erguer várias construções no lugar da torre medieval. Na colegiada (edifício religioso) Saint-Florentin, do século XII, uma das mais antigas construções do castelo, ele cria, em 1469, a ordem de Saint-Michel, que reúne os mais poderosos senhores feudais em obediência ao rei. Apesar do soberano residir em outro château, a rainha Charlotte de Savoie e os príncipes viviam em Amboise. A corte ali era composta de 150 pessoas.
Mas o castelo vai se tornar realmente importante durante o reinado de Charles VIII, filho de Louis XI. Por ter nascido e crescido ali, ele tinha um amor especial pelo lugar. Noivo de Marguerite d’Autriche (Margarida da Áustria), que tinha apenas três anos, ele leva a garota para viver no castelo. Mas, por razões políticas, aos 21 anos, Charles VIII se casa com Anne de Bretagne no castelo de Langeais, em 1492, que, por sua vez, era casada com Maximiliano I, pai de Margarida.
Em 1489, antes mesmo de se casar, o rei já havia começado a ampliar Amboise. E a nova rainha, Anne, que amava as artes, exerce influência direta sobre o marido. É dessa época que datam a Ala Charles VIII, as torres e a capela Saint-Humbert, além de outras construções que hoje não existem mais.
O rei quer fazer de Amboise um lugar incomparável. Os novos edifícios são decorados em estilo Gótico Flamboyant, em voga na época. Ele é caracterizado pela virtuosidade na decoração em pedra talhada, com a presença de linhas sinuosas que lembram chamas, que podemos ver nas partes altas do castelo e na capela. Quase 300 pessoas trabalham nessa ampliação do castelo.
Mas, eis que antes do final dos trabalhos, Charles VIII vai para as guerras em Nápoles (1494-1495). As construções e reformas continuam durante esse período, porém, na volta, é que tudo vai mudar. O rei traz consigo – além de muitas obras de arte, móveis e até livros -, vários artistas italianos, como escultores, arquitetos e até um monge-paisagista, dom Pacello da Mercogliano, que cria ali o primeiro jardim de estilo renascentista na França. Era o início do Renascimento francês.

Em várias partes do castelo, encontramos, na decoração, detalhes como esse, realizados por escultores italianos trazidos da Itália, que já vivia o Renascimento.
Porém, a alegria dura pouco: em 1498, ao bater com a cabeça na porta de uma galeria, Charles VIII morre ali mesmo no castelo. A ampliação de Amboise já está quase pronta. O novo rei, Louis XII, primo do antecessor, casa-se com a rainha viúva em 1499 e, apesar de viver no castelo de Blois, continua os trabalhos iniciados por Charles VIII. Uma nova ala é construída, que ainda hoje está quase intacta.
Amboise continua a vocação de ser um château onde são educados os herdeiros do trono. Louis XII não tem filhos homens. Então, seu primo François d’Angoulême é nomeado provável sucessor, antes mesmo da morte do rei. Pouco depois, o soberano instala o menino, de apenas quatro anos, com a mãe, Louise de Savoie, e irmãs ali no castelo.
François I também decide viver em Blois, mas passa longas temporadas em Amboise. Ele termina a ala Louis XIII e promove ali grandes festas, como, por exemplo, por ocasião de seu noivado com Claude de France, filha de Louis XII, ou, até mesmo, para comemorar o nascimento de seu filho. Aliás, os três príncipes nascem no castelo e o único sobrevivente, o futuro rei Henri II, é batizado lá mesmo.
E, a partir de 1516, essas celebrações contam com uma ajuda toda especial na organização: Leonardo da Vinci, trazido à cidade pelo rei. Dizem que foi o gênio, em uma dessas festas, que introduziu pela primeira vez o uso de fogos de artifício na França.
Mas esse período de alegrias iria acabar. Henri II morre prematuramente e seu filho, o jovem François II, sobe ao trono. A rainha Mary Stuart faz parte, por parte de mãe, da família de Guise, ultra católica. O príncipe de Condé, chefe do partido protestante, Huguenot, não aprecia a influência que eles exercem sobre o rei. Assim, os huguenotes tentam raptar o soberano e a familia real foge de Blois para Amboise. Desmatelada, a repressão aos huguenotes (os conspiradores) é brutal: no château de Amboise, diante de toda a corte, eles são supliciados e têm seus corpos pendurados no terraço que dá para o Loire.
Depois desse episódio, a família real deixa o château. Alguns reis continuam a passar curtas temporadas, mas não é mais como antes. Em 1627, Amboise é ligado a Gaston d’Orléans. Mas em 1660 volta à Coroa. Porém, não é mais habitável, pois já havia sofrido algumas demolições. Então, torna-se prisão. Dentre os prisioneiros, um personagem ilustre, Nicolas Fouquet, o superintendente de finanças de Louis XIV, que despertou a fúria do rei ao construir Vaux le Vicomte. Durante a viagem para a prisão do Fort de Pignerol, nos Alpes, ele fica preso 12 dias em Amboise.
Em 1762, o duque de Choiseul, ministro de Louis XV, compra o castelo, que é vendido em 1786 ao duque de Penthièvre. Este último faz restaurações e mesmo ampliações em Amboise. Logo em seguida vem a Revolução e, como acontece com vários castelos e igrejas da região, o château é depredado e transformado em caserna e em fábrica.
Mas as maiores destruições ainda estavam por vir. No começo do século XIX, Roger Ducos ganha Amboise por causa dos serviços prestados a Napoleão I. Contudo, ele não tem meios de restaurar o castelo, muito arruinado. Então, com a assessoria de arquitetos da época, ele resolve demolir as partes mais depredadas, como a colegiada Saint Florentin, por exemplo. O château passa a ter apenas 1/5 de sua área de origem. Alguns historiadores dizem até mesmo 1/8.
Já na Restauração, 1815, Amboise é restituido à Duquesa de Orléans, filha do duque de Penthièvre e mãe do futuro rei Louis-Philippe. Quando ele herda o castelo, em 1821, passa ali algumas temporadas. Ele chega a adquirir 46 casas que cercavam a construção, a fim revalorizar a vista e aparência do château. Ele também restaura a capela.
Mas, em 1848, um novo confisco. E o castelo volta a ser prisão. Desta vez, o prisioneiro é de terras distantes: o emir Abd el-Kader, preso durante a guerra de conquista da Argélia. Ele passa ali quatro anos com sua mãe, mulheres, filhos e os serviçais. Ao todo eram 88 pessoas. Até que em 1852 é libertado por Napoleão III. Durante a estadia do emir em Amboise, algumas pessoas da sua corte, incluindo um dos filhos, morreram. E um pequeno cemitério é instalado no parque do château.
Em 1872 Amboise é, mais uma vez, devolvido à família Orléans. O novo proprietário, Henri d’Orléans, duque de Aumale, contrata o arquiteto Ruprich-Robert e faz uma grande restauração, que se prolonga até o começo do século XX. Em 1952, novas restaurações, desta vez para reparar os desgastes sofridos pela guerra.
Hoje, o castelo é propriedade da fundação Saint Louis (São Luis), criada em 1974, e é restaurado constantemente.
A Visita
É muito legal visitar Amboise e se dar conta dessa transição de estilos presente no castelo. O medieval, representado pela decoração gótica da capela ou pelas torres, por exemplo. E o Renascimento, que, entre outras coisas, pode ser visto no fato do château ser aberto para o exterior, com a galeria do térreo e o terraço do primeiro andar transformados em mirante, com uma bela vista para o Loire. O objetivo era possibilitar pequenos passeios e a apreciação da paisagem, coisas comuns na Itália.
Apesar de restar apenas um quinto do antigo palácio, podemos ter uma ideia da disposição das salas e apartamentos. O mobiliário é variado, assim como a própria história do castelo: gótico, renascentista, império, época de Louis-Philippe, muitos deles comprados pela família Orléans.
O percurso da visita pode variar, é claro. Eu mesma visitei o castelo várias vezes e, em todas elas, o meu itinerário e ritmo foram diferentes. Mas vou colocar aqui o que fiz na primeira vez.
Ala Charles VIII – É a ala construída a partir de 1494. Foi durante a construção dela que o rei foi para a Itália e voltou com objetos e artistas italianos. Então, vamos encontrar muitos aspectos góticos, como lucarnas trabalhadas no telhado, com aspectos renascentistas, principalmente nas esculturas.
A Salle des Gardes – Faz parte da ala Charles VIII. Situada no térreo, é uma sala com abóbodas baixas, ou seja, uma decoração tipicamente gótica do final do século XV. Em cada extremidade, uma chaminé ainda mais antiga. O mobiliário varia, principalmente, entre os séculos XV e XVI. A sala se abre para uma galeria, também com abóbodas, com vista para o Loire. Era o local ideal para vigilância e defesa.
A Salle des états-Généraux ou du Conseil – Situada no primeiro andar, era aqui que os reis se reuniam com o conselho para decisões importantes. É uma grande sala clara e muito bonita, dividida em duas naves por finas colunas decoradas com flor de Lis (símbolo do rei) alternadas com arminhos (símbolo de Anne de Bretagne). A partir de vestígios encontrados no local, durante as restaurações do começo do século XX, foi possível reconstituir sua arquitetura de origem.
É ao sul dessa sala que está o terraço dos conjurados, em ferro batido (século XV), onde foram pendurados os corpos dos huguenotes mortos na Conjuração de Amboise. Na decoração, além de móveis dos séculos XV e XVI, há um retrato de Louis XIII, atribuído a Philippe de Champaigne.
Ala Louis XII – Começou a ser construída por Louis XII, mas foi terminada por François I. Sofreu várias alterações e restaurações. A parte que pode ser visitada desta ala é o primeiro e segundo andares.
A Salle aux Poutres – Na decoração desta sala, podemos imaginar como era o castelo durante as temporadas do rei e da corte. Um dos destaques é um baú de estilo Renascimento que, acredita-se, tenha pertencido à Catherine de Médicis. Os outros móveis são também do século XVI e as tapeçarias do século XVII. Nas janelas, além dos símbolos de Charles VIII e Anne de Bretagne, podemos ver esculturas representando a concha, a bolsa e o bastão de peregrino de Santiago de Compostela, para lembrar que Amboise faz parte de uma das rotas de peregrinação.
Chambre Henri II (Quarto de Henri II) – Um quarto do Renascimento, já que o móvel principal é uma cama da época de Henri II. O tecido do dossel e o da colcha são da mesma época. O resto da mobília é do final do século XVI e começo do XVII. As tapeçarias também são do mesmo período e vieram da Bélgica.
Chambre de la Cordelière – É o cômodo mais ao sul dessa parte. Ela tem esse nome por causa da decoração da chaminé, onde uma cordelière (cordão) da ordem terceira dos franciscanos, a qual Anne de Bretagne pertencia, é retratada. Os móveis e as tapeçarias são dos séculos XVI e XVII. Um dos mais interessantes é a cátedra que pertenceu ao cardeal Georges de Amboise, ministro das finanças de Louis XII.
Chambre de Louis-Philippe – Está situada no segundo andar da ala Louis XII. Esse andar, assim como o sótão, foi construído por François I e restaurado no final do século XIX. Louis-Philippe desejava fazer do local uma residência de verão, mas a família real quase não fica ali. Os móveis e quadros são todos da época do seu reinado, que foi de 1830 a 1848. A cama, do tipo Récamier, é decorada em bronze. Os três quadros da parede retratam o rei, o príncipe de Joinville (um de seus filhos) e a esposa deste. Eles foram pintados por François-Xavier Winterhalter.
Salon Louis-Philippe –Ao lado do quarto, é também decorada e mobiliada com móveis e objetos da época (primeira metade do século XIX). Uma das preciosidades dessa sala é a presença de um dos primeiros pianos de cauda de madeira, também do século XIX. Na parede, um quadro representa a rainha Marie-Amélie e dois dos seus filhos, obra de Hersent, realizada em 1836.
Tour des Minimes – Foi a torre que ficou mais conservada ao longo dos séculos. De aspecto defensivo no exterior, no interior é formada por uma espiral com quatro voltas, que levam ao terraço. As rampas são sustentadas por abóbadas, que, por sua vez, se sustentam externamente na parede com dois metros de espessura na base, e internamente no espaço central, que tem 9 metros de largura. No topo, a vista do Loire é linda.
Tour Heurtault – Era a torre de entrada e saída do castelo. Assim como a Tour des Minimes, também é uma espiral com um espaço central vazio, abóbadas e foi construída no século XV. As duas torres possuíam altura e largura suficientes para que cavalos e carruagens pudessem entrar no castelo, vindos diretamente da cidade, poucos metros abaixo.
Chapelle Saint Humbert – construída por Charles VIII no lugar de um antigo oratório da época de Louis XI. É uma obra-prima gótica do final do século XV. Para decorá-la, o rei chamou os escultores flamengos Casin de Ultrecht e Cornélis de Nesves. Na parte superior da porta estão esculpidas três lendas: a de Saint Humbert, a de Saint Christophe (São Cristóvão) e de Saint Antoine (Santo Antônio) no deserto. Já o tímpano é do século XIX e representa Charles VIII e Anne de Bretagne rezando aos pés de Maria.
Durante a Segunda Guerra, a capela teve seus vitrais destruídos. Os que encontramos hoje retratam a vida de Saint Louis (santo patrono da fundação que administra o castelo) e foram criados por Max Ingrand. Com a demolição das construções que ficavam ao lado, a chapelle ficou isolada e pode ser vista de longe.
Uma curiosidade da capela é que em cada braço do transepto há uma chaminé. No do lado esquerdo está situado o túmulo de Leonardo da Vinci. Os ossos do artista foram colocados ali depois da destruição da colegiada Saint Florentin, no século XIX, onde ficava a antiga sepultura do gênio.
Parque – Em comparação com outros castelos da região, o parque de Amboise é relativamente pequeno. Além da beleza de canteiros e arbustos, ele tem algumas obras bem interessantes. Uma delas é uma estela que representa Leonardo da Vinci. Ela fica exatamente onde estava o primeiro túmulo do artista, na colegiada.
Um pouco depois, encontramos um monumento funerário dedicado à memória dos árabes da corte do emir Abd el Kader que morreram em Amboise.
Château d’Amboise
Horários: varia de acordo com a temporada.
Tarifas: 10,70 euros/ Estudantes: 9,20 euros/Crianças de 7 a 18 anos: 7,20 euros.
Há visitas guiadas em francês várias vezes por dia. O preço está incluído na tarifa
Audioguia em português: 4 euros
Há também uma visita guiada aos subterrâneos do castelo e das torres, para saber mais, clique aqui
Para ir a Amboise
De Paris, a maneira mais fácil é pegar o trem direto na Gare d’Austerlitz até Amboise. O tempo de viagem é de 1h30
Uma segunda opção é pegar o trem na Gare de Montparnasse. Troca-se de trem na estação Saint Pierre des Corps e aí vai até Amboise. O trajeto também dura em torno de 1h30.
Para ver as opções, clique no site da SNCF
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Este texto faz parte de uma blogagem coletiva organizada pela RBBV (Rede Brasileira de Blogueiros de Viagem) sobre museus. Dêem uma olhada quanto museu legal
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